Juros do Cartão de Crédito: Entenda a Lei do Teto de 100% e a Guerra pelo Parcelado Sem Juros
Uma lei que entrou em vigor em 2024 limitou os juros do cartão de crédito a 100% da dívida, uma medida drástica para combater taxas de quase 450% ao ano. Esta matéria explora como a lei funciona, a guerra oculta entre bancos e varejistas sobre o "parcelado sem juros" e os riscos de restrição de crédito para os consumidores.
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Carlos Eugenio
7/2/20253 min ler


Em um movimento que redefiniu as regras do jogo financeiro no Brasil, uma lei que entrou em vigor em 2024 colocou um cadeado na espiral de dívidas do cartão de crédito. Desde então, o valor total de juros e encargos cobrados de um consumidor não pode mais ultrapassar o valor original da dívida.
A medida, parte da Lei nº 14.690/2023, que também criou o programa de renegociação "Desenrola Brasil", foi uma intervenção direta em um mercado que parecia ter perdido o controle. Com
taxas de juros no crédito rotativo que atingiram a média alarmante de 449,9% ao ano, o Brasil se consolidou como uma anomalia global.
Como Funciona o Teto de 100% para os Juros do Cartão?
A regra é simples e direta: se um consumidor contrair uma dívida de R$ 500 no cartão, o valor total a ser pago, somando o principal e todos os juros e encargos, não poderá ultrapassar R$ 1.000. O "teto da dívida" foi acionado após o fracasso das negociações entre bancos, governo e o Banco Central para encontrar uma solução autorregulada. Foi um "disjuntor" político para conter o sintoma mais agudo de um sistema doente: o superendividamento que afeta 42% da população adulta do país, ou quase 70 milhões de pessoas. No entanto, a legislação, em vez de resolver o problema, apenas expôs a guerra fria que há anos alimenta os juros estratosféricos: o debate sobre o parcelado sem juros.
Parcelado Sem Juros: O Grande Vilão dos Juros Altos?
A imposição do teto reacendeu um debate polarizado entre os gigantes do mercado. De um lado, os bancos; do outro, os varejistas.
A Posição dos Bancos (Febraban): O setor financeiro argumenta que o parcelado sem juros é a causa raiz do problema. A tese é que, para compensar o custo de financiar bilhões em compras "gratuitas", os bancos praticam um subsídio cruzado: as taxas exorbitantes do rotativo, pagas por uma minoria de inadimplentes, cobrem os custos do parcelamento usufruído pela maioria.
A Posição do Varejo (FecomercioSP, CNDL): O setor de varejo e serviços defende a modalidade como um pilar do consumo nacional, movimentando cerca de R$ 1 trilhão por ano (10% do PIB) e sendo essencial para 75% dos brasileiros. Para eles, os custos do parcelamento já são absorvidos pelos lojistas, que pagam taxas mais altas às empresas de maquininhas, não havendo relação direta com os juros do rotativo.
As Causas Estruturais: Inadimplência e Concentração Bancária
Enquanto a batalha sobre o parcelado continua, outros fatores mantêm a pressão sobre os juros.
O Ciclo Vicioso da Inadimplência: Bancos e cartões de crédito são a principal fonte de dívidas para 66,74% dos brasileiros com o nome negativado. As instituições justificam os juros altos como proteção contra o calote, mas são essas mesmas taxas que tornam a dívida impagável, alimentando a inadimplência. O custo humano é devastador: uma pesquisa revelou que
83% dos endividados sofrem de insônia e 61% têm crises de ansiedade por causa das dívidas.
A Concentração do Mercado: A falta de competição é outro fator crucial. Em 2023, os quatro maiores bancos do país ainda detinham 57,8% de todas as operações de crédito. Para especialistas, essa estrutura oligopolista permite que as instituições mantenham spreads elevados sem grande pressão para reduzir os preços ao consumidor.
Risco de Racionamento de Crédito: O Efeito Colateral da Lei
Apesar de bem-intencionada, a legislação traz um risco significativo, alertado pela própria Febraban: o racionamento de crédito. A lógica é simples: ao limitar o lucro potencial de uma operação, a regra pode tornar inviável emprestar para clientes de maior risco. A resposta dos bancos pode ser simplesmente negar crédito a esse segmento, geralmente o de menor renda.
Esse fenômeno já foi observado no mercado de crédito consignado, quando grandes bancos suspenderam a oferta de empréstimos após o governo impor tetos de juros considerados insuficientes. O "paradoxo da proteção" pode, assim, excluir do sistema financeiro justamente as pessoas que a lei pretendia ajudar.
Para o consumidor, a lição é clara: a educação financeira é a principal defesa. O crédito rotativo deve ser evitado a todo custo, e alternativas como empréstimos pessoais ou consignados, com juros muito menores, devem ser exploradas antes que a fatura vença.
A lei do teto de juros do cartão de crédito funcionou como um tratamento de choque para um paciente em estado grave. Aliviou a febre, mas a infecção — um sistema de crédito caro, concentrado e com incentivos desalinhados — ainda precisa ser tratada em sua raiz.