Guerra Comercial EUA-China: Como o Brasil se Tornou o Rei da Soja e Faturou Bilhões com o 'Tarifaço' de Trump
Descubra como a guerra comercial EUA-China, iniciada pelo "tarifaço" de Trump, transformou o Brasil no maior exportador de soja do mundo. Uma análise com dados sobre o impacto bilionário e as novas dinâmicas do agronegócio global
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Carlos Eugênip
9/10/20254 min ler


Em 2018, uma decisão tomada em Washington, sob a doutrina "America First", deu início a uma guerra comercial que abalou as estruturas do comércio global. Ao impor tarifas pesadas sobre produtos chineses, a administração Trump não imaginava que o principal beneficiário de sua manobra protecionista estaria a milhares de quilômetros de distância. A retaliação da China, mirando cirurgicamente o coração do agronegócio americano — uma base eleitoral politicamente sensível —, abriu uma janela de oportunidade histórica para o Brasil. A investigação dos dados comerciais do período mostra que o país não apenas aproveitou a chance, mas consolidou uma nova ordem no mercado mundial de soja, substituindo os Estados Unidos como o fornecedor preferencial do gigante asiático.
O Efeito Dominó: Uma Cronologia de Tarifas que Redesenhou o Comércio
A escalada foi rápida e implacável. Tudo começou com a política "America First". Em março de 2018, os EUA anunciaram sobretaxas globais sobre aço e alumínio, mas o confronto direto com a China foi deflagrado oficialmente em 6 de julho daquele ano, com a entrada em vigor de tarifas de 25% sobre US$ 34 bilhões em produtos chineses.
A resposta de Pequim foi imediata e estratégica. Em vez de focar apenas em bens industriais, retaliou com tarifas que variavam de 10% a 15% sobre produtos agrícolas vitais para a base eleitoral de Trump, como soja, milho e carnes. A disputa se intensificou dramaticamente, com as tarifas totais dos EUA sobre produtos chineses chegando a atingir 145% , enquanto as da China sobre os produtos americanos escalaram para 125%. Para a soja americana, a sobretaxa tornou o produto economicamente inviável para os importadores chineses, paralisando um dos fluxos comerciais mais importantes do mundo.
O Colapso Americano: Um Gigante Agrícola de Joelhos
O impacto para os agricultores dos EUA foi devastador. Os números contam a história de um colapso sem precedentes, transformando décadas de liderança em um cenário de crise profunda:
Queda de 75% nas Exportações: As vendas de soja dos EUA para a China, que totalizaram US$ 12,2 bilhões em 2017, despencaram para apenas US$ 3,1 bilhões em 2018, uma perda de mais de US$ 9 bilhões em um único ano.
Perda de Mercado: A participação de mercado dos produtores americanos na China foi dizimada, caindo de 39% para 29% na safra 2017/18.
Prejuízo Bilionário: O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) calculou que os produtores de soja foram responsáveis por 71% das perdas totais nas exportações agrícolas durante a guerra comercial, um prejuízo estimado em US$ 9,4 bilhões. Um estudo da Universidade Estadual de Dakota do Norte estimou uma perda de US$ 2 bilhões apenas nos primeiros quatro meses de 2025.
A angústia era palpável. A American Soybean Association (ASA), principal entidade do setor, declarou em carta ao presidente Trump que seus membros estavam "à beira de um precipício comercial e financeiro", implorando por uma solução enquanto viam a soja brasileira tomar seu lugar nas encomendas chinesas.
A Ascensão do Brasil: Oportunidade, Competência e Recordes Históricos
Enquanto os EUA viam seu principal mercado de exportação agrícola evaporar, o Brasil se posicionou para preencher o vácuo. O "efeito de compensação" foi massivo e transformador, redefinindo a posição do país no cenário global.
Dominância Absoluta de Mercado: Já em 2018, a participação do Brasil no mercado de soja chinês saltou para impressionantes 66%. Em meses de pico, a soja brasileira chegou a representar entre 89% e 90% de todas as importações chinesas da oleaginosa.
Volumes Históricos: A demanda chinesa impulsionou as exportações brasileiras a níveis nunca antes vistos. De janeiro a agosto de 2025, o Brasil embarcou quase 66 milhões de toneladas para a China, um volume sem precedentes. As exportações totais do país no mesmo período atingiram 86,54 milhões de toneladas, um crescimento de 3,72% em relação ao ano anterior, que já havia sido recorde.
Ganhos Financeiros Expressivos: Apenas em 2018, o valor das exportações de soja do Brasil para a China aumentou em cerca de US$ 7 bilhões em comparação com 2017. Esse influxo de capital foi um dos principais motores para o robusto superávit da balança comercial brasileira, que em agosto de 2025, primeiro mês sob um novo "tarifaço", atingiu US$ 6,1 bilhões.
Essa mudança não foi um evento isolado. Dados de 2025 confirmam a consolidação dessa nova realidade, com as compras chinesas de soja brasileira continuando em patamares recordes. A produção brasileira de soja, por sua vez, cresceu mais de 40% desde o início da disputa, mostrando a impressionante capacidade do setor de responder à demanda.
O Futuro é um Jogo de Estratégia: Os Riscos da Dependência e o Desafio Interno
Apesar do sucesso estrondoso, a nova posição do Brasil traz consigo vulnerabilidades estratégicas. A principal delas é a crescente dependência do mercado chinês. Em 2024, a China já era o destino de 73% de toda a soja exportada pelo Brasil.
Analistas e diplomatas, como o ex-embaixador Rubens Barbosa, alertam que essa concentração de mercado é uma "espada de dois gumes". Um eventual acordo comercial entre EUA e China poderia redirecionar as compras de Pequim de volta para os produtores americanos, deixando o Brasil exposto a uma súbita queda na demanda. Essa preocupação se tornou real quando surgiram notícias de que os EUA exigiam que a China quadruplicasse suas compras de soja americana como parte de um acordo de paz comercial.
Além do risco externo, a bonança do agronegócio não se espalhou uniformemente pela economia brasileira. Um estudo de simulação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apontou um impacto regional desigual: enquanto o PIB do Centro-Oeste (impulsionado pelo agro) cresceria R$ 6,94 bilhões, o do Sudeste (industrial) sofreria perdas de R$ 7,16 bilhões, indicando um risco de "reprimarização" da economia, onde a exportação de matéria-prima se fortalece em detrimento da indústria de valor agregado.
A guerra comercial EUA-China foi um evento geopolítico que, por acaso, beneficiou enormemente o Brasil. O país provou ter a capacidade produtiva e logística para se tornar o líder global indiscutível no mercado de soja. O desafio agora é transformar esse ganho fortuito em uma vantagem estratégica sustentável, diversificando mercados, agregando valor à sua produção e navegando com pragmatismo para não se tornar um peão no tabuleiro de xadrez das grandes potências.